O estupro de vulnerável e uma recente decisão do STJ. JOTA, 21 jan. 2022.

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Em 20 de agosto de 2021, foi publicado acórdão de lavra da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do agravo regimental no Recurso Especial 1.919.722/SP, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Ali, negou-se, por unanimidade, provimento ao agravo ministerial para, in casu, afastar a tipicidade material da conduta do acusado.

Por se tratar de processo penal envolvendo crime sexual e menor de idade, os autos do caso concreto se encontram em segredo de justiça. Desse modo, os fatos a seguir expostos têm como base somente o que foi descrito em sede de voto do relator. O acusado A, à época maior de idade (pelo que depreendo do voto, ele possuía idade em torno de 18 e 19 anos), começa a namorar a adolescente B, de 12 anos, com a anuência dos pais da jovem. Ocorre que, sem o conhecimento dos pais de B, A e B, no curso do seu relacionamento, mantêm relações sexuais, que só vêm à tona depois de B desconfiar de uma gravidez — que depois se confirma — e recorrer à sua mãe em busca de ajuda. Com isso, A foi denunciado pelo delito de estupro de vulnerável pelo critério etário, tipificado no art. 217-A, caput, do Código Penal (CP)[1]. Por ter sido objeto do decisum e, portanto, relevante para o presente estudo, anoto que, com a gravidez, A e B passaram a residir juntos, constituindo um núcleo familiar que agora conta também com o filho do casal.

Os fundamentos da decisão

Apesar de a 3ª Seção do STJ já ter fixado, em sede de julgamento do Recurso Especial n. 1.480.881/PI, a tese de que o consentimento da vítima, eventual experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso não afastam a ocorrência do crime, bastando, para a sua configuração que se pratique qualquer ato libidinoso com indivíduo menor de 14 anos[2], a 5ª Turma do STJ, in casu, entendeu ser necessário realizar o “distinguishing”, para afastar esse entendimento no caso concreto. Isso porque, segundo o voto do relator, a técnica é necessária “quando verificadas particularidades que impedem o julgamento uniforme no caso concreto”, sobretudo quando “estando a aplicação literal da lei na contramão da justiça, imperativa a prevalência do que é justo, utilizando-se as outras técnicas e formas legítimas de interpretação (hermenêutica constitucional)”.

Antes de entrar no mérito do “distinguishing”, anoto aqui que a decisão se inicia com a virtude de reconhecer a realidade, sem eufemismos: que a ideia de presunção de violência, com a revogação do art. 224, CP, é coisa do passado e que a redação legal desconsidera a vontade dos menores de 14 anos, presumindo-se que esses jovens não possuem capacidade de consentir com o ato sexual[3]. Dessa forma, abrem-se as portas para reconhecer a contradição que há na dupla imputação de atos infracionais, isto é, nos casos que envolvem dois adolescentes – nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – menores de 14 anos[4].

Retornando ao mérito da questão, o ponto fundamental, para a Turma, que ensejaria o “distinguishing” é algo que, curiosamente, deu-se após a ocorrência dos fatos em si: a vinda de um filho e constituição de um núcleo familiar[5]. Anotou-se, também, que a condenação de um jovem de 20 anos, que “não oferece nenhum risco à sociedade”, à pena de 14 anos de reclusão representaria “uma completa subversão do direito penal”[6].

A pena, no caso concreto, representaria “violação muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar”, não sendo a medida adequada à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade[7]. Por fim, a punição do acusado representaria uma espécie de “vitimização secundária” da jovem B[8], visto que seria contrário aos anseios da adolescente e “acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos desamparados não apenas materialmente mas também emocionalmente”[9].

Os erros e acertos do decisum

Em outra oportunidade, já critiquei a jurisprudência dominante do STJ que desconsidera por completo a vontade do adolescente menor de 14 anos nos casos de estupro de vulnerável[10]. Dessa forma, entendo que, em vez da simples aplicação do instituto do “distinguishing” para decidir contrariamente à orientação geral do STJ, seria necessária uma revisão geral dos critérios de imputação no que tange à vulnerabilidade etária do art. 217-A, CP.

Sobre o mérito da decisão em análise, vejo que intuitivamente se chegou à decisão correta, no sentido que, de fato, a aplicação de pena, considerando todas as nuances do caso concreto — as quais, repito, só tenho acesso por meio do que a decisão analisada relatou, tendo em vista que o caso tramitou em segredo de justiça —, seria prima facie injusta[11] e inadequada pragmaticamente. Todavia, discordo da solução sob seu aspecto dogmático, pelas razões que agora exponho.

Segundo vejo, há uma certa tendência na jurisprudência brasileira em recorrer à figura da tipicidade material quando intuitivamente se entende que a punição no caso concreto seria inadequada, apesar de a conduta ser formalmente subsumível a um tipo penal, que é justamente o que ocorre no presente caso. Entretanto, apesar de aparentemente tentadora, vejo que esse recurso foi inadequadamente manejado à luz do fundamento adotado na decisão.

Isso porque se recorreu ao fato que o acusado A constituiu um núcleo familiar com B e o filho do casal, algo que ocorre após o resultado previsto no tipo penal. A análise da violação ou não ao bem jurídico tutelado deve ter em vista o momento do resultado e não um fato posterior. Em outras palavras, se a jovem engravidou e ambos constituíram um núcleo familiar, isso nada tem a ver com a questão se ela teve a sua dignidade sexual violada no momento dos fatos.

De acordo com os critérios que propus[12], há margem para considerar o fato materialmente atípico. Nos delitos sexuais, a dignidade sexual, no sentido de autonomia sexual, isto é, a livre e responsável disposição sobre o próprio corpo, é o bem jurídico tutelado[13]. Nos casos do estupro de vulnerável, a regra geral da autonomia[14] sexual dá lugar a uma proteção paternalista moderada[15] ou suave[16] (“soft paternalism”)[17], que, desconsiderando a vontade do jovem, fundamenta-se na sua “vulnerabilidade”.

Conforme sustentei, o conteúdo do injusto no estupro de vulnerável não é simplesmente a condição de vulnerável da vítima isoladamente considerada, mas a sua vulnerabilidade em relação ao autor do fato. Em outras palavras, só é possível dizer que o autor praticou um injusto quando ele, aproveitando-se de suas capacidades mentais superiores à época dos fatos, pratica ato libidinoso com a vítima[18]. Fundamentei isso no fato que um conceito absoluto de vulnerabilidade raramente é utilizado por alguém: pessoas em situação de rua, imigrantes refugiados, enfermos mentais graves e crianças são alguns exemplos do que chamamos comumente de “vulneráveis”. Em suma, todo ser humano é, em alguma medida, vulnerável, mas há algumas pessoas que são mais vulneráveis que outras e é nesse sentido que normalmente utilizamos o adjetivo “vulnerável”. Dessa forma, no que tange ao estupro de vulnerável, essa vulnerabilidade deve ser analisada em relação ao autor do fato.

Ancorei-me nos marcos legais contidos no ECA para a aferição dessa vulnerabilidade relacional tendo como base três classes de indivíduos: crianças (até 12 anos incompletos), adolescentes (entre 12 anos completos e 18 incompletos) e adultos (a partir dos 18 anos completos). A única regra de ouro que propus foi a seguinte: todo maior de 14 anos praticará o crime (se adulto) ou ato infracional análogo (se adolescente) tipificado no art. 217-A, CP quando no polo passivo figurar uma criança. Dessa forma, seriam incapazes de praticar estupro de vulnerável pelo critério etário os adolescentes menores de 14 anos (dessa forma, propus a resolução do problema da dupla imputação referido no item 1) e as crianças.

Todavia, hoje percebo que errei parcialmente: há possibilidade de vulnerabilidade fática em casos envolvendo menores de 14 anos (pense-se em atos libidinosos entre adolescentes menores de 14 anos e crianças de idade mais tenra). Ademais, nem todo caso envolvendo maiores de 14 anos e menores de 12 anos soam prima facie absurdos: pense-se numa pessoa com 14 anos recém-completados e outra prestes a completar 12. O meu erro foi ter olhado quase que exclusivamente para a lei em sua lógica interna, pressupondo que os marcos fornecidos pelo legislador definiriam a questão (voltarei a isso abaixo, item 3).

De todo modo, nos casos entre adultos e adolescentes vulneráveis (entre doze anos completos e 14 incompletos), que é o que ocorre no caso em exame, afirmei que a regra geral é pela consideração da vulnerabilidade. Entretanto, deixei espaço para a análise do caso concreto nos casos em que o possível autor poderia ser qualificado como jovem adulto (propus que se adotasse o marco contido no art. 115, CP, isto é, os menores de 21 anos à época do fato). Confesso que hoje vejo que fui demasiado tímido na proposta, pois, conforme já afirmei, considerei que os marcos etários determinados pelo legislador dariam a resposta, desconsiderando que a capacidade de autodeterminação é um elemento fático, não normativo, conforme acertadamente observa Santin[19]. Isso não significa que os marcos etários definidos pelo ECA e pelo CP devam ser descartados, mas que são o ponto de partida da reflexão, não o de chegada.

Dessa forma, segundo vejo, o caso poderia ser resolvido afirmando-se que, tratando-se de uma diferença de idade relativamente baixa entre os envolvidos (ao que parece, algo em torno de 6 anos), bem como estarem num relacionamento aprovado pelos pais da jovem (ainda que não soubessem da relação sexual), além do seu comportamento em audiência (do que pude analisar com base no excerto contido na decisão em análise), havia espaço para considerar que não havia a “vulnerabilidade relacional” necessária para a configuração do injusto do estupro de vulnerável[20]. Confesso que tais elementos seriam somente indiciários, não concluindo a questão em si. O importante é ter em mente que seria perfeitamente possível articular uma argumentação no sentido de ausência de vulnerabilidade no caso concreto.

De todo modo, é de se destacar a sabedoria da 5ª Turma ao considerar que a aplicação da pena no caso concreto seria um mal maior, principalmente na perspectiva da jovem que se visa a proteger e, sobretudo, da criança que veio ao mundo em decorrência dos fatos analisados. Todavia, entendo que, dogmaticamente falando, seria mais adequado, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que foram mencionados no decisum, considerar esse elemento como uma causa supralegal de exclusão da punibilidade, e não da tipicidade material. Isso porque a razão invocada diz respeito somente à aplicação da pena, e não sobre a existência do injusto penal.

Por outro lado, pergunto-me se essa intuição de que a medida foi a mais correta seria a mesma, por exemplo, se a jovem em questão fosse mais nova ou o acusado mais velho. Parece-me, assim, que a intuição político-criminal contida no decisum, bem como a afirmação de que não houve ofensa ao bem jurídico tutelado, estão vinculados a uma outra intuição: que a jovem tinha condições fáticas de consentir com o ato, isto é, não era vulnerável em relação ao namorado. Todavia, para afirmar isso, não bastaria a aplicação da técnica do distinguishing, ter-se-ia que afirmar o erro do entendimento firmado no REsp n. 1.480.881/PI.

Readequando a proposta de interpretação da tipicidade material do art. 217-A, caput, CP

Já que confessei acima que a minha proposta original seguiu marcos etários demasiadamente rígidos, afastando-se da justiça material do caso concreto, proponho aqui uma readequação de minha proposta de subsunção desses fatos. Afirmei que, seguindo a ideia geral de que liberdade e responsabilidade caminham juntas[21], seria legítimo tutelar de forma paternalista aqueles os quais o ordenamento jurídico não responsabiliza ou responsabiliza em menor intensidade, na proporção dessa mitigação.

Entretanto, vejo hoje que essa ideia não pode ser absoluta, devendo ceder a outras ponderações quando as exigências materiais de justiça assim o fizerem. Para o que interessa para o tema em análise, isso significa que, se o conteúdo do injusto do estupro de vulnerável pelo critério etário é a superioridade mental do autor do fato em relação à vítima, isso é uma questão fática, sendo insuficiente a consideração isolada dos marcos etários definidos pelo legislador.

Portanto, esses marcos serão um ponto de partida, não o de chegada. Assim, em regra, crianças e adolescentes são vulneráveis em relação a adultos, bem como crianças são vulneráveis em relação a adolescentes. Todavia, esse é somente o ponto de partida, para ajudar numa orientação geral e servir de fundamento nos casos óbvios (por exemplo, se um indivíduo de 40 anos pratica ato libidinoso com uma jovem de 12 anos), mas que não resolve a questão para os casos limítrofes, como o do julgado no REsp 1.919.722/SP.

Até mesmo a regra de ouro que propus, de sempre punir os maiores de 14 anos que praticarem ato libidinoso com crianças, conforme já afirmei, pode encontrar problemas. Pense-se se esse critério, isoladamente, resolve os casos envolvendo uma pessoa de 14 anos recém completados e outra de 11 anos. Será que somente o marco etário responde sobre a existência de vulnerabilidade de um em relação ao outro? Parece-me que, nesses casos, se desejamos levar a sério as ideias de autodeterminação e vulnerabilidade, elementos do caso concreto precisarão ser considerados. O importante é que o magistrado precisará verificar, para a existência de tipicidade material do art. 217-A, CP, se há uma real ofensa do bem jurídico tutelado por meio do cotejo entre autor e vítima, no sentido de analisar se há uma superioridade psicológica de um sobre o outro que fundamente o conteúdo do injusto do delito.

Conclusão

Para concluir, apesar de eu discordar dos detalhes dogmáticos da solução no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP, entendo que, numa ponderação de erros e acertos, a 5ª Turma mais acertou do que errou. Dessa forma, pode-se dizer que foi adotada a solução adequada para o caso concreto, visto que, prima facie, não havia relação de vulnerabilidade entre os namorados e que, consequentemente, a pena, no caso concreto, representaria uma solução que traria somente o mal, inclusive para a jovem que se visa a proteger.

Ademais, acredito que esse julgado é um exemplo de como uma lei ruim pode trazer sérios problemas jurídicos. Uma presunção iuris et de iure sobre a incapacidade de consentimento dos menores de 14 anos ignora, conforme o caso analisado exemplifica, as exigências materiais de justiça e a ideia de autonomia individual. Além disso, os diferentes marcos etários em relação ao ECA trazem problemas adicionais de subsunção. Diante desse cenário, cabe ao STJ, na condição de uniformizador de entendimentos no que tange às leis federais, revisar o que fora firmado no Recurso Especial n. 1.480.881/PI, para que, assim, o erro originário do legislador não se converta em injustiça no caso concreto.


[1] In verbis: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”.

[2] In verbis: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime”.

[3] “De pronto, reitero que não há se falar em presunção de violência para tipificação do crime do art. 217-A do Código Penal. Com efeito, referido conceito constava do art. 224 do Código Penal, o qual foi revogado pela Lei n. 12.015/2009, e, à época da sua vigência, prevalecia se tratar de presunção absoluta. Atualmente, o estupro de vulnerável não traz em sua descrição qualquer tipo de ameaça ou violência, ainda que presumida, mas apenas a presunção de que o menor de 14 anos não tem capacidade para consentir com o ato sexual. Assim, para tipificar o delito em tela, basta ser menor de 14 anos”.

[4] São casos em que ambos os envolvidos figurariam como autores e vítimas de ato infracional análogo ao estupro de vulnerável. Para esse problema, propus uma solução em AMARAL, Rodrigo. Sobre a vulnerabilidade etária do artigo 217-A do Código Penal e o necessário binômio liberdade-responsabilidade. Revista do Instituto de Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 178 e ss., especialmente em p. 180. Disponível em: <https://www.ricp.org.br/index.php/revista/article/view/41/28>

[5] “Nessa linha de intelecção, um exame acurado das nuances do caso concreto revela que a conduta imputada, embora formalmente típica, não constitui infração penal, haja vista a ausência de relevância social e de efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado. De fato, trata-se de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar”.

[6] “A condenação de um jovem de 20 anos, que não oferece nenhum risco à sociedade, ao cumprimento de uma pena de 14 anos de reclusão, revela uma completa subversão do direito penal, em afronta aos princípios fundamentais mais basilares, em rota de colisão direta com o princípio da dignidade humana. Dessa forma, estando a aplicação literal da lei na contramão da justiça, imperativa a prevalência do que é justo, utilizando-se as outras técnicas e formas legítimas de interpretação (hermenêutica constitucional)”.

[7] “Verifico, ademais, que a incidência da norma penal, na presente hipótese, não se revela adequada nem necessária, além de não ser justa, porquanto sua incidência trará violação muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar. Dessa forma, a aplicação da norma penal na situação dos autos não ultrapassa nenhum dos crivos dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.

[8] “Destaco, ademais, conforme recentemente firmado pela Quinta Turma, que não se mostra coerente impor à vítima uma vitimização secundária pelo aparato estatal sancionador, ao deixar de considerar ‘seus anseios e sua dignidade enquanto pessoa humana’”.

[9] “De fato, a manutenção da pena privativa de liberdade do recorrente, em processo no qual a pretensão do órgão acusador se revela contrária aos anseios da própria vítima, acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos desamparados não apenas materialmente mas também emocionalmente, desestruturando entidade familiar constitucionalmente protegida”.

[10] Cf. AMARAL, Rodrigo. Op. Cit., 175.

[11] Digo prima facie porque uma afirmação definitiva só seria possível com o acesso aos autos.

[12] Ibidem, p. 178 e ss.

[13] Assim sustenta GRECO, Luís. Casa de prostituição (art. 229 do CP) e direito penal liberal: reflexões por ocasião do recente julgado do STF (HC 104.467). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 19, n. 92, 2011, p. 447, posição na qual me filio em AMARAL, Rodrigo. Op. Cit., p. 169.

[14] Entre nós, verifico que felizmente o respeito à autonomia do indivíduo tem sido objeto de preocupação crescente na doutrina nacional e em diversas áreas do direito penal. Exemplificativamente, destaco: GRECO, Luís; SIQUEIRA, Flávia. Promoção da saúde ou respeito à autonomia? Intervenção cirúrgica, exercício de direito e consentimento no direito penal médico. In: COSTA, José de Faria et al (org.). Estudos em homenagem ao prof. Doutor Manuel da Costa Andrade: volume I. Coimbra: Studia Jurídica, 2017, p. 648 e ss.; SANTIN, Janice. Dever de esclarecimento médico no direito penal: a concretização do consentimento baseado na autonomia do paciente. São Paulo: Marcial Pons, 2020, especialmente p. 61 e ss.; SANTOS, Humberto Souza. Ainda vive a teoria do bem jurídico? Uma contribuição ao debate sobre a teoria do bem jurídico e os limites materiais do poder estatal de incriminar. São Paulo: Marcial Pons, 2020, p. 142 e ss.; SIQUEIRA, Flávia. Autonomia, consentimento e direito penal da medicina. São Paulo: Marcial Pons, 2019 p. 53 e ss.

[15] Se se adotar a tradução proposta por MARTINELLI,  João  Paulo  Orsini.  Paternalismo jurídico-penal: limites da intervenção do Estado na liberdade individual pelo uso das normas penais. São Paulo: LiberArs, 2015, p. 100.

[16] Se se adotar a tradução proposta por GRECO, Luís; SIQUEIRA, Flávia. Op. Cit., p. 650.

[17] “Paternalismo suave (ou moderado) é a visão que as únicas condições em que o paternalismo estatal é justificado ocorrem quando é necessário determinar se a pessoa sendo interferida está agindo voluntária e conscientemente”. Tradução livre de DWORKIN, Gerald. Paternalism. Stanford Encyclopedia of Philosophy.  Disponível  em:  <https://plato.stanford.edu/entries/paternalism/>. Segundo GRECO, Luís; SIQUEIRA, Flávia. Op. Cit., p. 650, nesses casos “de certo modo, sequer chega a ser paternalismo no verdadeiro sentido da palavra”, haja vista que a interferência estatal justifica-se em razão de o indivíduo não estar em plenas condições de hierarquizar valores segundo sua própria visão de mundo.

[18] AMARAL, Rodrigo. Op. Cit., p. 178-179.

[19] SANTIN, Janice. Op. Cit., p. 74-75: “A capacidade para consentir, portanto, não deve seguir prescrições de idade rígidas, mas ser analisada no caso concreto”.

[20] Relato aqui, obviamente, somente os elementos que eu poderia considerar por intermédio da leitura da decisão em questão, pois, conforme dito, não tenho acesso aos autos do processo. Ademais, devo confessar ao leitor que sequer sistematizei no trabalho anterior que critérios de fato poderiam afirmar ou afastar a vulnerabilidade nesses casos. Praticamente releguei isso a uma questão de prova, o que confesso ao leitor que não sei se é a melhor solução. Segundo vejo, é difícil traçar critérios gerais para analisar se duas pessoas possuem o mesmo nível de maturidade, principalmente no aspecto sexual, o que demandaria, talvez, um elevado conhecimento de psicologia.

[21] Ou, conforme observado por GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Trad. Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018, p. 67, a existência de “um sinalagma entre liberdade de ação e responsabilidade pelas consequências”.

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